sexta-feira, 26 de outubro de 2012

MÃOS ( O NORTE FLUMINENSE 14/10/2012 )



MÃOS
                                                                               Vera Maria Viana Borges

Dia desses, após as orações da noite, apaguei a luz, aconcheguei-me, rolei para lá e para cá e nada de sono. Veio-me então à mente o medo que tinha da escuridão naquelas frias noites da minha infância em Rosal. A prosa era sempre a mesma, assombração e vários mistérios da vila. Minha mãe fazia serão bordando a máquina e enquanto ela bordava a luz permanecia acesa o que para mim era extraordinário. Muitas vezes eu me levantava e observava aquelas alvas e firmes mãos conduzindo o bastidor que girava e girava executando uma perfeita dança, uma coreografia ritmada sob a agulha que formava encantáveis crivos, richelieus, matizes, aplicações e bordados de cordonê e ponto cheio. O resultado era algo surpreendente tal a beleza das peças elaboradas.Nas minhas reminiscências percebi o desempenho das mãos de mamãe também no bordado a mão, nos desenhos, na culinária e muitas e muitas outras coisas pois ela fazia de tudo em casa e com muita perfeição. Apreciando as mãos de minha irmã Sílvia Márcia, vejo muito nelas o talento de nossa genitora, tudo que elas tocam é transformado, há harmonia e beleza nos trabalhos que realiza. Sem delongas comecei a admirar  e refletir sobre outras mãos. Voltei à Escola Primária, deparei-me com as mãos de D. Julieta Roseira que nos ensinou os pontos básicos de bordado. No Colégio Zélia Gisner, as mãos de fada de D. Odete Tavares Borges (D. Niniu). Ambas excelentes professoras, tão exigentes quanto carinhosas. No final de cada ano apresentavam belas e requintadas exposições. 
A maravilhosa arte de bordar de D. Niniu foi transferida para suas filhas Leny Borges Bastos e Ercília Borges do Carmo. No meu viajar por habilidosas mãos deparei-me com D. Geninha, esposa do Senhor Santinho Tavares e a graciosidade e beleza de sua obra que foi assimilada por Celise Tavares Xavier , esposa do Senhor Luiz dos Santos Xavier, o primeiro gerente do BANERJ em Bom Jesus cuja agência foi inaugurada no dia 15 de agosto de 1968. Bordadeira de mão cheia, Celize vive num universo de novelos e linhas, cores e texturas, tendo o privilégio de ver na sua filha Sílvia Xavier Borges, a criatividade em vários segmentos. Silvinha da Garnier  paira num estado permanente de delicadeza onde são compartilhadas emoções e vivência enquanto as mãos produzem expressando sentimentos quer no artesanato, no piano, no violão ou no acordeon que chora a CHALANA, composta em 1954 por Mário Zan e Arlindo Pinto, interpretada por Almir Sater e “vai navegando no remanso do rio Paraguai”. Evidentemente sentimos uma ligação do passado com o presente, as gerações mais novas recebem das mais velhas, suas técnicas e demais experiências. Quem utiliza bem os seus dons desempenha papel relevante na comunidade e sua arte é fator de prestígio. Se além de habilidade manual possuir talento e sensibilidade, torna-se artista. 
São tantos os artistas anônimos que se revelam com suas aptidões, encantam com fartas produções e imprimem traços culturais em tudo o que realizam. Continuei observando e ali estavam Rosete e Mariazinha Dutra Baptista, José Carlos Thiebaut e Arlene Moraes Thiebaut, Drª Claúdia Borges Bastos do Carmo e Dr. José Alfredo Borges do Carmo, Tarcísio André e Cláudia Espinoza André, produtores de delicadas e belas peças. Extasiei-me com as mãos de Gerson Carlota Oliveira  que instantaneamente, em poucos minutos, reproduz com desenho sombreado a lápis, perfeitas fisionomias, tamanha a perfeição, não fica a dever às mais sofisticadas fotos.Arrebataram-me, as mãos zelosas das Irmãs do Abrigo José Lima e as mãos habilidosas do nosso Artista Maior: Raul Travassos.
Detive-me, que horror, em mãos que podem ferir, agredir, magoar e matar. Visualizei Pilatos que “lavou as mãos” para limpar a consciência e recordei da expressão “lavo as minhas mãos”, no sentido de desistir. Há a mão que destrói mas felizmente há muitas e muitas que constroem.  Mãos que oferecem rosas, mãos que trabalham, mãos que fiam, mãos que tecem, mãos que agasalham, mãos que oram, mãos que louvam,  mãos que carinham, mãos generosas, mãos caridosas, mãos dadivosas, mãos que afagam, mãos que bordam, mãos que pintam, mãos operárias, mãos amigas, altruístas e misericordiosas. Mãos que plantam e mãos que preparam alimentos. Mãos que falam em “LIBRAS” (língua de sinais, usada pelos surdos), mãos que falam de beleza e de tristeza, mãos que dirigem, mãos que acenam para quem fica, mãos que fotografam, mãos que escrevem, mãos que gesticulam poemas, mãos de artistas que compõem, que regem, que tocam, mãos que enxugam lágrimas, que confortam e consolam. Mãos Sacerdotais, benditas, que transformam pão e vinho no Corpo  e Sangue de Jesus. Mãos que curam feridas. MÃOS ENSANGUENTADAS DE JESUS e MÃOS PODEROSAS DE DEUS PAI.
Caminhantes que somos de uma mesma jornada, sejamos viajantes de mãos dadas, de mãos que se juntam, de mãos que se entrelaçam, como elos de uma corrente, juntando nossa história a outras histórias, envolvendo-nos numa semeadura boa para que a colheita seja de sazonados frutos. Com nossas “MÃOS” lancemos as sementes para que a paz, o amor, a fraternidade e a igualdade renasçam nos corações das pessoas, para que um dia estes sentimentos não sejam apenas o SONHO de uma noite mal dormida.