terça-feira, 8 de setembro de 2015

VOCÊ SABE DE ONDE EU VENHO? (Publicado no JORNAL "O NORTE FLUMINENSE - 31 de agosto de 2015)

VOCÊ SABE DE ONDE EU VENHO?         
                                                                                            Vera Maria Viana Borges
                       O  tempo voa ! Há 70 anos bombas atômicas foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki com consequências catastróficas que foram além da morte. Após os dois ataques o Japão se rendeu e finalmente terminou a Segunda Grande Guerra. Terríveis anos! Meu Deus!!! Os noticiários evidenciaram e pus-me a divagar...  Primeiramente recordei as magistrais aulas de HISTÓRIA  da admirável, MESTRA MAIOR,  Maria Apparecida Dutra Viestel. Depois fui além... Aos vinte e nove dias do mês de junho de 1944, em plena guerra, em meio a tantas amarguras para tantos brasileiros que pagaram altíssimos tributos, inclusive com suas vidas, numa pequenina vila, tranquila, de monte azul, serra azulada, fértil em cultura e patriotismo, tive o nascedouro, pude lá ver a luz primeira. Acredito tenha sido embalada com a “Canção do Expedicionário”. O único meio de comunicação era o rádio que por certo a entoava frequentemente. Ainda hoje a trago gravada na memória e sinto ouvir na terna e doce voz de minha querida mãe, os versos de Guilherme de Almeida na melodia de Spartaco Rossi. Transcrevo-a na íntegra, perguntando, estaria aí a fonte do meu tão grande amor à Pátria e às Letras? “CANÇÃO  DO  EXPEDICIONÁRIO (Guilherme de Almeida-Spartaco Rossi)  Você sabe de onde eu venho?/ Venho do morro, do engenho,/ Das selvas, dos cafezais,/ Da boa terra do coco,/ Da choupana onde um é pouco,/ Dois é bom, três é demais,/ Venho das praias sedosas,/ Das montanhas alterosas,/ Do pampa, do seringal,/ Das margens crespas dos rios,/ Dos verdes mares bravios/ Da minha terra natal./ ESTRIBILHO: Por mais terras que eu percorra,/ Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá;/ Sem que leve por divisa/ Esse “V” que simboliza/A vitória que virá:/Nossa Vitória  final,/ Que é a mira do meu fuzil,/A ração do meu bornal,/A água do meu cantil,/As asas do meu ideal,/A glória do meu Brasil.” Seguem as três últimas estrofes: “Eu venho da minha terra,/ Da casa branca da serra/ E do luar do meu sertão;/ Venho da minha Maria/ Cujo nome principia/ Na palma da minha mão,/ Braços mornos de Moema,/ Lábios de mel de Iracema/ Estendidos p'ra mim./ Ó minha terra querida/ Da Senhora Aparecida/ E do Senhor do Bonfim!// Você sabe de onde eu venho?/ É de uma Pátria que eu tenho/ No bojo do meu violão;/ Que de viver em meu peito/ Foi até tomando jeito/ De um enorme coração./ Deixei lá atrás meu terreno,/ Meu limão, meu limoeiro,/ Meu pé de jacarandá,/ Minha casa pequenina/ Lá no alto da colina,/Onde canta o sabiá.// Venho do além desse monte/ Que ainda azula no horizonte,/ Onde o nosso amor nasceu;/ Do rancho que tinha ao lado/ Um coqueiro que, coitado,/De saudade já morreu./ Venho do verde mais belo,/ Do mais dourado amarelo,/ Do azul mais cheio de luz,/ Cheio de estrelas prateadas/ Que se ajoelham deslumbradas,/Fazendo o sinal da cruz!”
                              O misto de dor, amor e fé, na beleza dos inconfundíveis versos que me embalaram faziam a associação vital de vários elementos diferentes que poderiam resultar em perfeita simbiose gerando esta minha alma poeta. Na minha terra vicejam as mais belas rosas, devendo-se à exuberância das mesmas, o seu delicado nome, ROSAL. Ela tem clima de montanha, que por sua amenidade garante o mais salutar aspecto. Distando de Bom Jesus apenas trinta e dois quilômetros, é um convite permanente para a deliciosa temperatura proveniente de seus 420 metros de altitude.
                            Àquela época já não eram apenas rosas, havia muitos ESPINHOS: a guerra, combatentes, desertores que por cafezais, serras, morros, se embrenhavam e se escondiam. Cândido Diniz já lutava na Itália, Ernesto Lumbreiras patrulhava o litoral brasileiro na região de Campos. Falavam à boca-pequena, de um rosalense que fugira do “quartel”, vindo do Rio de Janeiro a pé, seguindo os trilhos das Estradas de Ferro...  Era muito o sofrimento daqueles familiares que repetiam: “se correr o bicho pega, se parar o bicho come”. 
                      Já havia muito tempo, corações aflitos sofriam os terrores da guerra. Rogavam aos céus pelos irmãos assolados pelos horrores por que passavam. O Natal  de 1942 foi comemorado num clima de alegria e tristeza, conforme noticiou o jornal “A Voz do Povo” de 09 de janeiro de 1943 através do nosso correspondente, o saudoso Haroldo Pani: “Embora tendo n’alma um misto de alegria e tristeza, Rosal comemorou condignamente o Natal. Alegria pela passagem da data que marca o maior acontecimento da História - o advento do Redentor. De tristeza, pela ideia, embora pálida, do sofrimento dos seus semelhantes assolados pela terrível guerra. Assim fez subir aos Céus rogos e preces cheios de fervor pelas viúvas e órfãos, sem lar e sem pão... Pela madrugada, houve a tradicional ladainha; ao meio dia, interessante e animado programa das crianças do Catecismo da Igreja Católica, competentemente dirigidas pela senhorita Zilah Almeida e Madame Euzequias Tito de Almeida. A Igreja se achava lindamente ornamentada e o presépio caprichosamente armado; também houve distribuição de doces às crianças tirados de bonita árvore de Natal.
                 As firmas comerciais “Irmãos Figueiredo” e “Irmãos Alt”, distribuíram fazendas, cobertores e víveres aos pobres. Também muitas famílias fizeram, na intimidade do lar, donativos aos necessitados.
                           A Sociedade Auxiliadora Feminina da Igreja Evangélica realizou brilhante festividade, à noite, no Templo. A assistência apesar da chuva reinante, foi enorme, enchendo literalmente o vasto recinto. O programa constou de modesto discurso alusivo à data pelo presbítero Guilherme Figueiredo, de lindos coros sacros competentemente regidos pela Senhora América Alt Macedo,  de diálogos, monólogos e poesias pelas crianças da Escola Dominical e de farta distribuição de “frutos” da belíssima árvore de Natal que constituía o enlevo e regalo da petizada e... até dos marmanjos também...”
                   Naquela ocasião, muitos gêneros de primeiríssima necessidade, como sal, açúcar, querosene, gasolina chegavam mediante cotas mensais, e não sendo suficientes para suprir a necessidade de todos os consumidores, passaram a ser objeto de câmbio negro. As crises nacionais e internacionais ecoavam no mundo, no Brasil e também na pequenina Rosal. 
                     “Tudo passa sobre a Terra”, escreveu, genialmente, o escritor José de Alencar, finalizando o seu livro: Iracema. Setenta anos após, apesar das trágicas lembranças continuarem vivas, Hiroshima e Nagasaki, reconstruídas, se transformaram em cidades modernas, desenvolvidas, com árvores, prédios, pessoas circulando, carros,  como quaisquer outras. Tudo passou, restaram apenas estes registros de inquietações, angústias, seguidos de momentos de felicidade, sonhos e ideais; de dificuldades seguidas  de  muitas conquistas.  
                     “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.” Esta citação é bíblica, portanto verdadeira. Estamos em plena Festa de Agosto em clima de alegria e descontração. Em Rosal também a realidade graças a Deus é outra, não se fala mais de CHORO e sim de “Chorinho”, do  Tradicional Festival de Chorinho & Sanfona que atrai cada vez mais rosalenses ausentes, bonjesuenses, pessoas de todo o Vale do Itabapoana e turistas de todas as partes. Milhares de pessoas se reúnem para desfrutar da  boa música e  das delícias da culinária local, lá na Vila de onde vim, aquela Vila  tranquila, de monte azul, serra azulada, fértil em cultura e patriotismo.