segunda-feira, 16 de abril de 2012

UM NOVO CICLO - Publicado no jornal O NORTE FLUMINENSE nº 2252 - 12 de abril de 2012

                                        UM NOVO CICLO      
                                                                       
                                                                            Vera Maria Viana Borges
            
             As chuvas de março fecharam o verão e inauguraram o outono. É o início de um novo ciclo, período em que a natureza se renova. Um dia desses, comendo bolinho de chuva que tem delicioso sabor de infância, adentramos no Portal das Fantasias e no mundo do faz de conta que extasiam crianças onde muitos adultos pedem carona. Revivemos assim muitos flashes com sabores, aromas, fragrâncias, cores, ideias, texturas que outrora conhecemos, tantas coisas que vivemos e que se esconderam na memória. Fomos penetrando no túnel do tempo seguindo em busca do tempo perdido, aquele que não tem volta.Se pensarmos nos sabores que fizeram parte da nossa infância, a lista será longa. Como num filme fomos recordando tantos episódios e nos perdemos naquele aconchego gostoso, saudoso, lindo, poético e humano. O importante destas lembranças não está somente no fato propriamente, mas na história contada em torno da mesa, do afeto que está impregnado naquela recordação.
            Aterrissamos em Rosal, terra de muitas flores, muitos encantos e muitos mistérios.
             Monsenhor, dália, lírio, orquídeas que  fazem  lembrar a casa de Pequena e  José Rosa, copos- de- leite, extremosa, buganvília, beijo, suspiro, brinco-de-princesa, rosa, rosa graúda, exageradamente bela; gérberas que lembram o jardim de Bibi e Fluminense Alt, tão perfumadas e delicadas quanto a delicadeza, pureza, meiguice e simplicidade do casal.
             Terra de tantas histórias, de misteriosos cavaleiros que troteavam e disparavam atravessando as ruas desertas na calada da noite e de uma mulher tão alta, tão alta... que percorria a vila em altas horas e que  do coreto, ao lado da Igreja de Santana, com um passo apenas chegava ao cemitério. Tínhamos tanto medo! Da “Luz do Monte Azul”, que clareava a noite escura, tornando-a tão clara como o dia, iluminando tudo em derredor. Da dita luz, uns diziam ser a “mãe do ouro”, decorrente do mineral supostamente existente no subsolo, outros, uma alma benfazeja que sempre aparecia em momentos difíceis para ajudar a alguém que necessitasse. Cavaleiros indo buscar remédios para doentes graves e maridos que buscavam parteiras eram iluminados e guiados por aquelas serras do Monte Azul, denominação devida aos fenômenos da tal luz que era muito intensa e azulada e em escuras noites, muitas vezes chuvosas e até mesmo sob verdadeiras tormentas prestava auxílio  com seu intenso brilho.
             Àquela época era costume matar porco em casa e fazer quitanda, nome usado para designar diversas gulodices da culinária doméstica. Sempre que se fazia algo, eram oferecidos “pratinhos” para os amigos mais chegados.
             O dia em que matava porco era uma festa. Cedinho já chegava alguém para ajudar; um mais corajoso para furar o “bichinho” que gritava anunciando para toda a vizinhança a sua “execução”. Após destrincharem, antes da preparação para que a carne e a gordura fossem para as grandes latas, na despensa (compartimento da casa onde se guardam mantimentos), as crianças iam distribuir  em tigelas (quase sempre de ágate) algumas porções, verdadeiras lições de “partilha” ali ao vivo, pela vizinhança.
             À noite, cadeiras nas calçadas onde famílias se juntavam conversando animadamente enquanto a gurizada se divertia pulando corda, brincando de roda. Os aniversários... Amistosamente vivia aquela gente que se confraternizava nas alegrias e  era  solidária  nos  infortúnios, nos  momentos   de dificuldades, tristes e difíceis.
             As jabuticabeiras, com os troncos pretos de graúdos frutos, muito doces, de agradabilíssimo sabor, ricos em tanino, eram ponto de encontro em quase todos os quintais, em afáveis reuniões de amigos sob suas aprazíveis sombras.
             No tempo das goiabas, o aroma das goiabadas tomava conta do lugar.
             O cheiro do “óleo de peroba” nos móveis, o assoalho lavado aos sábados, também eram característicos... Casas enceradas, escovão pra lá e pra cá... Piqueniques memoráveis,  as alvoradas da Lira 14 de Julho, as melodiosas serenatas, o Caxambu e as fogueiras do Sr. Levino Soares onde cantavam e dançavam o Tão Ananias, Miracema e Antônia Paula: “Quem nunca viu vem vê, cardeirão sem fundo frevê...”
             No mês de maio, as coroações de Nossa Senhora, perfumadas pelas trescalantes brisas do “monsenhor despetalado” que jogávamos na “Santinha”. Vestidos de cetim, de anjo com asas cheias de graciosas penas; vestidos de Virgem... Muito frio!... Após a ladainha  sensacionais leilões! O coreto todo decorado, cheio de deliciosas prendas. Todo o povo à sua volta. Cada noite dedicada a uma família que se esmerava na confecção das prendas que eram arrematadas por altos preços, estimulados pelos apregoadores que iam induzindo, em sadia brincadeira a competitividade entre os presentes que num clima de total descontração contribuíam para os cofres da Igreja de Santana.
           O Rosal Esporte Clube, vasto acervo de craques que lhe enalteciam as cores esportivas: vermelho e branco que tremulavam em bandeiras agitadas por animadas torcidas. Nos bailes da Rainha do Rosal Esporte Clube, as mais encantadoras valsas, quase sempre duas ou mais, “Danúbio Azul”, “Vozes da Primavera”, “Contos dos  Bosques de Viena”, fazendo com que  rainhas, princesas e seus pares rodopiassem em belos e diáfanos trajes pelo salão.
           O alto-falante do Sr. Chiquinho Nunes, no Cine Rosal sensacionais seriados, Durango Kid, Zorro, O Gordo e o Magro, Os Três Patetas. A Escola Luiz Tito de Almeida, as aulas de ginástica com o Sr. Hildebrando, os parques, touradas e circos que vez ou outra enchiam de alegria a petizada.
           Falando em circo regressamos ao tempo real. Os espetáculos ainda atraem enorme público de todas as idades. Na TV ou sob a lona, o mundo da magia incorpora linguagens modernas e tenta manter a tradição do reino da marmelada, numa era de velozes mudanças. Sempre um novo ciclo, onde tudo se renova.

 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A RESSURREIÇÃO

O BAIRRO QUE FOI NOVO (O NORTE FLUMINENSE-14/03/2012)

                    O BAIRRO QUE FOI NOVO                                                     
                                                                      Vera Maria Viana Borges

                    Trajeto muito percorrido em minha infância, foi a Estrada Rosal - Bom Jesus. Lá da santa terrinha, descíamos para vir ao dentista, ao médico, por vezes ao cinema e mesmo para assistir aos espetáculos circenses no ALTO DE SANTA RITA, com os famosos "Globos da Morte". Grandes Companhias!...
                  Para a criança vinda do distrito, aqui tudo era maiúsculo... A Avenida Padre Mello era grandiosa, a casa do Padre, um monumento, que hoje sinto deveria ter sido tombado, preservado, para a história da nossa adorada Bom Jesus... A Igreja Matriz, arquitetônica!...
                  Vim prestar o "Exame de Admissão ao Ginásio". Tendo sido aprovada, mudamo-nos para cá em 1955.
                 Descendo a  Rua Dr. Abreu Lima, que nasce na Praça Governador Portela, caminhávamos em paralelepípedos. A rua já era calçada até a entrada da Avenida Padre Mello (que também tinha calçamento). Daí para frente era barro vermelho. Imponente na esquina avistava-se o Armazém de Café do Sr. Karim João, onde nos fundos residia Orlando Alves de Oliveira, motorista, figura popular, amiga de todos. A seguir, bem edificada, a residência do Sr. Alípio Garcia, o então proprietário do Cartório do 2º Ofício de nossa cidade. Após, havia uma casinha bem simples, com cerca de arame farpado, que abrigava o Sr. Armindo Carroceiro. Finalmente, afastada do alinhamento, a "Fábrica de Balas" do Sr. Ésio Bastos... aquelas balas branquinhas, tão docinhas, com listrinhas coloridas... doces lembranças!...
                Aí estava delimitado o perímetro urbano, pelo Valão Soledade que se atravessava em ponte de madeira.
                Daí para frente era macega, e um novo loteamento, onde já eram edificadas as primeiras residências.
                O "Departamento do Café", a residência do Gerente do IBC e o casarão de alpendre do Sr. Elias Ferreira,  já se incorporavam ao cenário.
                Lembro-me bem do Matadouro Municipal, construído onde é hoje o DER e inaugurado a 13 de agosto de 1952,  e,  do funcionário eficiente, vindo de Itaperuna, o nosso estimado amigo José Camilo.
                Uma construção aqui, outra ali, surgia o Bairro Novo...
                Onde está o "Abrigo dos Velhos"  era o local em que se depositava o lixo de Bom Jesus.
                Construiu-se o prédio da Delegacia na beira-valão, e em seguida fez-se a ponte de cimento. Alair Ferreira Tatagiba trouxe o Posto de Gasolina.
                O Sr. Quinca (Laurindo Henrique), Antônio Trindade e Sinfronino Braga  foram os pioneiros da Rua Joaquim Ferreira Ramos.
               Chichico das Areias empreitou duas obras para  residências de Irma e Vera Ribeiro, respectivamente. Construía-se com tijolos de cimento da fábrica do Prefeito Gautier Figueiredo.
               Depois vieram Sr. Marcílio, Bolivar Teixeira Borges, Antônio dos Santos, Cerizê (costureira afamada), Dr. Pery, e, até mesmo  o Desembargador Sampaio Peres, construiu e residiu no novel bairro.
                Nos terrenos vagos, os garotos improvisavam campinhos para as peladas, nas horas de lazer...
               Pelas novas ruas, desfilavam de bicicleta, meninas casadoiras... Conta-se de um romance que terminou em casamento, acreditando-se que o feliz casal, reside no referido bairro, atualmente.
              Onde é hoje o "POSTO GUERRA", acampavam ciganos, e frequentemente, armavam-se circos e touradas.
              Inúmeras oficinas de lanternagem e mecânica se instalaram na região. A do Chico da Lata, a do Sebastião Godói, a do Canico, a do Polaca.
              Juca Moraes, músico da Banda, tinha um botequim, onde engarrafava vinho tinto, fabricado por ele próprio,  mais tarde surge ali o Depósito de Bebidas do Jovair.
             Na Rua Vereador João Rodrigues do Carmo, conhecemos o Ari, Inspetor de Trânsito, o Clemiltom, o Luís da Água, Antônio Martins de Souza e Catarina, o Candico, o Emídeo, fiscal da Prefeitura. Na referida rua ficava o Armazém de Café do Higino Belloti.
              As famílias abasteciam suas despensas, na vendinha do José Mangefeste.               
             Onde já foi o "Bamerindus", e posteriormente a "Constrular", o empresário Pedro Braga, proprietário da grandiosa "BRAGA MÓVEIS", inicia sua vida profissional, com um simples barracão de marcenaria. O não menos bem sucedido Passaline, também cresceu com o Bairro.
            Chega o asfalto em 1960, trazendo maior progresso à nossa terra.                
            Extrapolou, nosso bairro virou centro da cidade. A zona urbana fora esticada e no final da década de 60, o Matadouro foi transferido para a beira-rio de um novo bairro, o Lia Márcia que também se desenvolveu e estava ele novamente plantado no perímetro urbano...  Atualmente, o gado é  abatido em Frigoríficos...