segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O PRIMEIRO PIANO DO VALE DO ITABAPOANA (Publicado no Jornal "O NORTE FLUMINENSE" - 15 de janeiro de 2013)


O PRIMEIRO PIANO DO VALE DO ITABAPOANA
                                                                                            Vera  Maria Viana Borges
                    “Na terra somos caminhantes, sempre prosseguindo... Isso significa que temos de nos manter em movimento, caminhando adiante. Assim esteja sempre insatisfeito com o que você é se quiser alcançar o que você não é. Se estiver satisfeito com o que você é, você parou. Se disser “é suficiente”, você está perdido. Siga andando, movendo-se para a frente, tentando atingir a sua meta. Não tente parar no meio do caminho, voltar ou desviar-se dele.” (Sto Agostinho - Sermão, 169-18) 
                Meus bisavós, Feliciano de Sá Viana e Ambrosina Justa de Sá Viana não esmoreceram, jamais perderam o entusiasmo. Chegaram à Fazenda da Prata, oriundos das Minas Gerais em 1862. Casal cheio de vitalidade, ânimo e alegria, pôs mãos-à-obra, dedicando-se à agricultura, atravessando épocas de vacas gordas pelo desempenho auspicioso do trabalho e dedicação a que se empenharam.
               Via crescer a numerosa prole em meio a muita fartura proveniente de seu trabalho na terra, acalentando o sonho de educar todos os filhos proporcionando-lhes cultura e principalmente almejava que aprendessem música para encher de alegria o seu lar e aquele rincão distante...
             Sonhava comprar um piano, mas para tal aquisição era necessário ir à Corte. Preparando-se e indo até lá adquiriu o instrumento, um piano de cauda; tratou de despachá-lo até o Porto da Limeira, que já funcionava desde 1864, a uns mais ou menos dez quilômetros da atual localidade de Ponte do Itabapoana, no rio Itabapoana, ligando este ao mar em Barra do Itabapoana. De lá veio até Bom Jesus de carro-de-boi e para dar continuidade à viagem, não havendo estradas, escravos tiveram de empunhá-lo e levá-lo até Arrozal de Sant'Ana, mais precisamente na Fazenda da Prata, onde residiam os Sá Viana.
                  Os filhos cheios de curiosidade rodearam o instrumento,  uma grandiosíssima novidade  na região. Feliciano por sua vez anunciava a necessidade de um mestre, corria de boca em boca a notícia... Sentia-se feliz mas ao mesmo tempo triste vendo o piano ali, mudo... Homem de expediente já providenciava alguém para ministrar aulas e contratado já estava um Professor de Escolaridade que viria ensinar leitura, contas e conhecimentos gerais a todos.
    Entre seus criados, havia um escravo vindo de Diamantina, que  cochichara aos outros, saber tocar piano. Chegando a alvissareira notícia aos ouvidos do patrão, este dando-lhe roupas limpas e decentes, pediu que tomasse um banho e se aprontasse devidamente. Quando adentrou o salão da Casa Grande, estava irreconhecível, de paletó e gravata. Emoção enorme aos primeiros acordes que quebraram o silêncio daquelas matas, daqueles cafezais, esfuziando aqueles olhares expectadores, encantando aqueles ouvidos ávidos  de uma boa e bem animada melodia. O contentamento foi geral.
            Passaram os Sá Viana a organizar saraus, atraindo pessoas da vizinhança e alegrando sobremaneira toda a família que se organizava para receber os que vinham dançar e apreciar as bem executadas valsas da época. Nestas reuniões semanais, serviam fartíssima mesa das mais finas e variadas iguarias, onde todos comiam  a  vontade.  
                Com a chegada do Professor “João Lino”, o início dos estudos e a surpresa maior: ao ver o “piano” disse que ele poderia também dar conhecimentos de música e ensinar os mais diversos instrumentos. Iniciou-se assim a realização do sonho do fazendeiro. Os filhos, Romualdo, Eulália, Aureliano, Adélia (Sinhazinha), Elpídio, Henrique, Malvina, Adolfina, Mulata, Adelaide, Diana, Abílio e Julinho se entusiasmaram e logo formaram conjunto com clarinetas, trombones, contrabaixos, Sax Horn, requinta e piano. Sobressaíram, Romualdo na clarineta, Julinho no cantrabaixo (ainda jovem faleceu na arquibancada de um circo onde tocava, atingido por uma bala perdida, disparada numa briga do lado de fora), Elpídio no trombone (a maior parte de sua vida foi dedicada ao contrabaixo), Henrique no Sax Horn, Adelaide no piano e requinta; Mulata dedicou-se um pouco ao piano e gostava de cantar. 
             Cada filho que se casasse recebia de dote um sítio e um lote de burro. Não eram apenas saraus e brincadeiras trabalhavam duro, estudavam e se dedicavam aos estudos de música e dos diversos instrumentos.
          Mudando-se para a Fazenda União, mais próxima de Rosal (hoje propriedade do Sr. Carlowe Junger Vidaurre), ficou mais próximo de seu amigo e compadre Luís Tito de Almeida (Lulu), sogro de seu filho Elpídio que desposara Elzira. 
Tocavam em ladainhas, casamentos e festas em geral, até que um dia reuniram-se Lulu (Luís Tito de Almeida), Elpídio de Sá Viana, Durval Tito de Almeida, Custódio Soares de Oliveira, Sebastião Magalhães e Elias Borges, iniciando o trabalho de formação da Corporação Musical 14 de Julho, que tem como data oficial de sua fundação, 14 de julho de 1922. Continua firme e vibrante com retretas nas praças, espalhando vida e alegria por onde passa, com suas marchas, dobrados e peças do cancioneiro popular.
           Constantemente havia encontro das Bandas. No casamento de Mulatinha, neta de Feliciano, filha de Romualdo, compareceram as Bandas do Sr. Lulu e do Chico Gomes, clarinetista dos bons e que também formara uma banda com elementos de sua família, lá na Barra Funda. Elemento de uma Banda tocava também na outra; foram se casando e misturando as famílias e finalmente todos se tornaram parentes, acabando praticamente numa só família.
                 Os Sá Viana se espalharam pelos dois lados do vale do Itabapoana, fazendo frutificar a vocação musical que lhe estava impregnada no sangue e os conhecimentos que se adquiriram através daquele primeiro piano que com grande ideal foi trazido para esta região.
               Elpídio de Sá Viana organizou na década de 40 uma filarmônica em São José do Calçado. Inicialmente contou com cinco de seus filhos: Luís, Antônio, Feliciano (Neném), Hélio e Geraldo, todos excelentes músicos e procurou completar o grupo com elementos da localidade a quem ministrava aulas. A filarmônica recebeu o nome de “Euterpe São José”, mais tarde passou a “Lira 19 de Março”, apresentando-se impecavelmente uniformizada e executando sempre com perfeição o vasto e  riquíssimo repertório.
              A descendência de Feliciano e Ambrosina continua acalentando e realizando o seu grande sonho... Que Deus os acolha em sua Glória como recompensa pela herança deste dom tão harmonioso quanto melodioso. Erguendo as taças da gratidão e do amor, prestamos-lhes uma consagradora homenagem pela determinação e garra com que impregnaram nossa gente e nossa terra com a paixão e o ardor deste ideal, assegurando que continuaremos mantendo viva a chama de seu lindo sonho que ainda nos embala  com suaves canções e que com a graça de Deus assim o será para todo o sempre.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

UM FACHO DE LUZ ( Publicado no ÓRGÃO INFORMATIVO DA ABDL)



 UM FACHO DE LUZ

                                                                                            Vera Maria Viana Borges
 
                 Quando as portas se abrem para o fulgor de um Sodalício percebe-se um facho de luz a cintilar tão profundamente na mística da comunhão de ideais, na pujança do extravasar das mentes e almas  o objeto da mais alta inspiração, reunindo toda a perfeição concebível no nosso imaginário. Momento ímpar!
             Um sonho sonhado por três amados poetas bonjesuenses tornou-se real aos quatro de dezembro de 1976. Os sonetistas Ayrthon Borges Seródio, Athos Fernandes e Antônio Miguel sob a égide do grande mecenas campista, o Criador de Academias por tantas que ele apadrinhou Brasil afora, criaram a nossa ABDL - Academia Bonjesuense de Letras que por várias décadas desempenhou com honradez e entusiasmo as suas funções e seus objetivos. Infelizmente por motivos vários que dispensam por si só explicações, acabou caindo no marasmo, naquele redemoinho inesgotável que suga todas as esperanças e ela foi lançada num vácuo inexplicável até quase se perder no sem-fim dos acontecimentos, dos fatos e das coisas.
             A falência da Cultura nos assusta. Há na vida de todos nós, o momento em que se torna necessária a reflexão para que as coisas sejam colocadas nos devidos lugares. Revendo o cumprimento das obrigações inerentes à posição que ocupamos, com o compromisso de fomentar a cultura, o hábito da leitura, a apreciação da arte com a finalidade da exaltação do Belo, a preservação da  nossa História e a continuação da mesma, através dos atos do nosso dia-a-dia, o incentivo  às crianças, jovens e indivíduos de toda faixa etária, incluindo os da terceira idade que após a aposentadoria tendo mais tempo livre  buscam algo para preenchê-lo com alguma coisa  útil e saudável que só enobrece, eleva a autoestima e o torna mais feliz, resolvemos tomar uma atitude, fazendo uso dos DONS atribuídos por DEUS, nosso Poeta Maior. Cabe a cada um de nós administrar este legado, esta herança e multiplicá-la através do trabalho honesto, transparente, arregaçando as mangas, sem a pretensão de aparecer e receber honrarias, dividindo-a em doses acertadas a fim de que não sejam prejudiciais a nós e nem aos outros. Assim agindo com Sabedoria e Amor, atingiremos  o ideal maior quando discernirmos o bem do mal, separando o joio do trigo.
          Sobrepujando intempéries, injustiças e indiferenças, com nossas almas plenas de esperança e amor buscamos a vitória que de algum lugar nos acena. Podemos nos orgulhar do Celeiro de Talentos que é nossa tão amada Bom Jesus, que se preza por uma cultura admirável. Para a arrumação da casa contamos com os nossos queridos confrades e com novos acadêmicos, sangue novo, para que circulem novas ideias, novos projetos visando o crescimento desta Instituição Cultural já respeitada pelo valor de seus intelectuais. O sucesso  de grandes empreendimentos deve-se ao trabalho intenso onde a colaboração de muitos é fator primordial para que tudo dê certo.
      Houve o fim de um ciclo. A nova etapa que se inicia não deverá ser apenas mais um recomeço, e sim, o prosseguimento de uma trajetória de grandes realizações. Fiquemos com o pensamento de Robert  F. Kennedy:  “Cada vez que uma pessoa se levanta por um ideal, age para melhorar o destino dos outros ou combate a injustiça, provoca uma pequena onda de esperança, que, cruzando-se com outras a partir de  um milhão de diferentes centros de energia e coragem, formam uma corrente capaz de varrer as mais poderosas barreiras de resistência e opressão.”